Muitas vezes nos referimos à importância da escuta no processo de comunicação. Muitos de nós tem uma perceção sobre se temos ou não uma boa escuta. “Temos uma boca e dois ouvidos”, “Estou-te a ouvir, continua a falar” diz o João continuando a olhar para o seu PC podem ser dois exemplos que nos deparamos no dia-a-dia. Se lhe perguntar, desde já, como está a sua escuta ativa na escala de 1 a 10 (em que 1 significa “deficiente” e 10 traduz uma “excelente escuta”) o que diria?
Se pensarmos um pouco, o processo de comunicação tem muitos variáveis. Assim, temos um emissor que pretende transmitir algo, que depois codifica em palavras, que escolhe um meio para que o recetor receba a mensagem e este a descodifique para finalmente compreender o que o emissor lhe quera transmitir. É um processo complexo.
E então como podemos definir escuta ativa? A escuta ativa é capacidade para nos focarmos completamente no que o outro diz e não diz, para entender o significado do que é dito no contexto dos desejos do outro, e de favorecer a expressão pessoal do outro.
Para entendermos melhor o que é a escuta ativa vamos socorrer-nos de algumas reflexões de quem desenvolveu este conceito, o psicólogo Carl Rogers (e de alguns comentários do consultor que vos escreve).
Carl Rogers transporta este conceito para o papel do “supervisor” ou “executivo” (diria para o líder, nos tempos mais modernos) que estará preocupado em desenvolver competências de escuta que irão ajudar os seus colaboradores a ganhar uma compreensão mais clara das suas situações (diria desafios, na linguagem mais atual), a tomar responsabilidade e a cooperarem entre si. Na designação “escuta ativa” a palavra “ativa” refere-se ao facto de quem escuta ter uma responsabilidade decisiva e tenta ativamente compreender os factos e os sentimentos daquilo que está a ouvir e, através da sua escuta, tenta ajudar o outro a expressar e a resolver por si os seus problemas (diria apelando ao pragmatismo anglo-saxónico). Escuta ativa torna claro ao “emissor” que quem o escuta valoriza tanto o significado como o sentimento por trás do que é dito (diria coerente com o facto de termos um lado mais racional e outro mais emocional). Só conseguiremos ter boa escuta se acreditarmos profundamente nos seus pressupostos, senão o “emissor” vai identificar rapidamente que o nosso comportamento será “vazio” e estéril” (diria que vai soar a “falso” e será ineficaz). Assim, escutar ativamente implica percecionarmos com profundidade os sentimentos da outra pessoa, percebermos o significado das experiências para o outro, e tentamos ver o mundo da forma que o outro vê, de forma a que a ajudarmos o outro a expressar-se plena e livremente.
Carl Rogers também refere que a escuta ativa é uma importante maneira de provocar mudanças nas pessoas e nas equipas. Quando as pessoas são alvos de uma escuta com sensibilidade, elas próprias tendem a ouvir-se a si mesmas com mais atenção o que as ajuda a tornar mais claro aquilo que estão a pensar e a sentir e, desta forma, tornam-se menos defensivas, mais abertas a incorporar outros pontos de vista e menos autoritárias. A escuta ativa reduz a ameaça de se ter as suas ideias criticadas, pelo que a própria pessoa fica mais apta a analisá-las por aquilo que elas efetivamente valem e a aprofundar a sua própria reflexão. Os membros das equipas tendem a ouvir-se mais uns aos outros, a tornarem-se menos argumentativos, e mais recetivos a novos pontos de vista.
E existem alguns benefícios para quem escuta ativamente? Sim, a escuta permite a aquisição de informação, constrói relacionamentos profundos e positivos e tende a alterar construtivamente as atitudes, representando uma experiência de crescimento.
Sendo a escuta ativa tão importante, como podemos desenvolver uma boa escuta ativa? Haverá coisas a fazer e coisas a evitar. Carl Rogers refere que, primeiro interessa entender como a personalidade humana se desenvolve. Todos nós temos aprendido, ao longo da nossa vida, a ver-nos de certa forma, desenvolvemos fotografias de nós próprios, algumas mais realistas e outras nem por isso. Dessa forma, existem experiências que consideramos aceitáveis e outras que não, por serem desajustadas da “nossa” fotografia, pelo que consideramos ameaçadoras.
Carls Rogers continua referindo que a escuta ativa não corresponde a uma ameaça para nós (não precisamos de nos defender), dá antes a possibilidade de explorarmos outros cenários e de concluirmos por nós próprios da sua validade e, dessa forma, estaremos em melhor posição para decidir mudar. Isto porque a escuta ativa propicia a construção de um clima que não é de crítica, nem avaliativo, nem moralizador. Ao invés, a escuta ativa cria um ambiente de igualdade, de liberdade, de permissão e de compreensão, de aceitação e caloroso. É neste contexto que a pessoa se sentirá segura para incorporar novas experiências e novos valores no seu conceito de si mesmo.
O que devemos fazer de forma a ganharmos a confiança do “emissor” no processo de escuta. Aqui vamos socorrer-nos de um estudo realizado por Jack Zenger e Joseph Folkman para a revista HBR em 14 de julho de 2016 para 3.492 participantes num programa de desenvolvimento de executivos para se tornarem melhores coaches, denominado “O que os grandes “ouvintes” realmente fazem” (no original “What Great Listeners Actually Do”):
- A boa escuta (escuta ativa) é muito mais do quer ficar em silêncio enquanto os outros falam:
- É um diálogo de duas vias
- São feitas perguntas periodicamente que promovem descoberta; estas perguntas desafiam crenças de uma forma cuidadosa e construtiva; escutar em silêncio e acenar com a cabeça não dá garantias certas ao outro que a pessoa está a escutar; fazer boas perguntas dão a entender ao “emissor” que o “recetor” não só o ouviu, mas que o compreendeu bem a ponto de querer informação adicional;
- A boa escuta inclui interações que constroem a auto-estima da pessoa (do “emissor”):
- Os melhores ouvintes tornam a conversa numa experiência positiva para a outra parte, fazem a outra pessoa sentir-se apoiada e é-lhes transmitida confiança;
- É criado um ambiente seguro em que os assuntos e as diferenças são discutidas abertamente
- A boa escuta é vista como uma conversa colaborativa:
- Os feedbacks fluem de forma agradável, sem que alguém se torne defensivo a partir de comentários feitos; os piores ouvintes foram vistos como sendo competitivos -como que ouvindo apenas para identificar erros no racional, utilizando o silêncio para preparar a sua próxima resposta-;
- Os bons ouvintes podem desafiar pressupostos e estar em desacordo, mas o “emissor” sente que o “recetor” tenta ajudar, em vez de querer ganhar uma discussão.
- Os bons ouvintes tendencialmente dão sugestões:
- A boa escuta invariavelmente incluiu algum feedback fornecido de uma forma que os outros aceitem e que abriu novas possibilidades para avançar; tem a ver com a maneira como damos esse feedback ou porque aceitamos melhor sugestões que demonstraram uma boa escuta
Para entender melhor um comportamento também nos ajuda a ver o outro lado da medalha – o que não devemos fazer:
- Interromper o outro, porque achamos que já sabemos o que outro vai dizer, pode resultar em perda da fluidez da interação e de informação valiosa
- Fazer reformulações muito longas porque desfoca do essencial da comunicação
- Fazer juízos de valor, críticos ou favoráveis, porque dificulta a expressão por parte do emissor
- Atribuir uma carga emocional à mensagem porque cria barreiras ao relacionamento
- Tentar influenciar o emissor a mudar a sua forma de ver as coisas, da maneira que o recetor a vê
Muitas vezes o “recetor” está a responder às suas próprias necessidades de fazer ver ao “emissor” o mundo da maneira que ele vê. É sempre difícil para nós tolerar e perceber ações que que são diferentes das maneiras que nós acreditamos que são as mais corretas. Se, por outro lado, nos libertarmos da necessidade de influenciar e dirigir os outros iremos permitir que escutemos para compreender, e dessa forma permitimos que o outro aprofunde as suas reflexões, ganhe consciência, decida o que quer mudar, pratique esse novo comportamento e assim cresça. E aquele que mais consistentemente ouve o outro para entender mais provavelmente será aquele que será ouvido pelos outros de uma forma ativa.
E agora reflita: como está em termos de escuta ativa, numa escala de 1 a 10?